A filha perdida
- " Obrigado filha".
Disse aquela idosa, de corpo curvado pelo sofrimento, num olhar e sorriso meigos a condizer com o agradecimento, elevando quem a trate à condição da filha que o destino lhe roubara tão severamente há anos atrás.
- "Filha não, sra. enfermeira. Eu não sou sua filha".
Retorquiu a enfermeira visada, numa relutância bruta e agreste.
- "Tem razão sra. enfermeira, de facto a senhora não tem características para ser minha filha".
Responde-lhe a idosa na mesma voz adocicada pelo ar resignado da perda que teimava em marcar a falta que sentia.
A enfermeira retirou-se da sala e da vida daquela idosa que a presenteara com o que tinha de valor mais elevado.
3 comentários:
já me aconteceu... de uma outra forma...
... alguém me chama na avenida:"Mãe, tenho fome..."
"Mãe"...e não tirava os olhos de mim...
E nesse dia fui Mãe de quem precisava que eu o fosse.Porque o senti...
Obrigada por esta história de amor, mal entendida pela enfermeira...
"É urgente o Amor", como disse Eugénio de Andrade, só para lembrar um poeta que o cantou.
Aqui o deixo, noutro poema:
"Passamos pelas coisas sem as ver,
gastos, como animais envelhecidos:
se alguém chama por nós não respondemos,
se alguém nos pede amor não estremecemos,
como frutos de sombra sem sabor,
vamos caindo ao chão, apodrecidos.
***maat
tantas vezes as pessoas tem medo do amor que aparece de tantas formas, numa palavra... num olhar "faminto" que nos dirigem... nos gestos... claro que é necessário estar muito atento.
não quis a enfermeira entender, ela sabia-o mas não o quis entender.
Cito Cecília Meireles;
"Por que me falas nesse idioma? (..)
Em qualquer língua se entende essa palavra.
Sem qualquer língua.
O sangue sabe-o."
O Amor da senhora é tão forte que a enfermeira teve medo de o receber de o sentir.
Obrigada pelo sentir do momento do seu texto.
Maria do Céu
A algumas pessoas falta-lhes a sensibilidade. Sentimento que tu tens e partilhas enormemente!! Muitos, muitos beijos para ti, Rui.
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