segunda-feira, setembro 05, 2005

Tributo a pessoas: Prof. José Pedro Machado (1914-2005)

Acabei de me aperceber que o Prof. José Pedro Machado, meu ex-professor (se é que alguma vez um professor deixa de o ser e passa a "ex-") de Língua Portuguesa e de Francês na Escola Industrial Afonso Domingues (EIAD) faleceu.
De facto os blogs nem sempre trazem consigo as boas notícias, pois acabo de ter consciência disso, também num blog por onde deambolava calcorreando gostos alheios.

Junto de outras figuras, igual e discretamente ilustres, como o Engº José de Sousa Monteiro e Prof. Belarmino Barata, o Prof. José Pedro Machado marcou todos quanto tiveram a preciosa oportunidade de o conhecer.
Soubesse ele que a alma deste seu aluno ainda mantém aceso o amor pelos Lusíadas e a obra de Camões que ele me ensinou a ler e a interpretar.
Soubesse ele o quanto o recordo e guardo as lágrimas que partilhei quando dele me despedi no final do curso.

Não obstante ter sido referenciado como um dos seus melhores alunos, não esqueço particularmente o seguinte episódio.

Frequentemente os testes de Língua Portuguesa em cursos técnicos, com este professor, incidiam sobretudo na interpretação de textos e na oportunidade de exprimir opiniões e pensamentos, tarefa em que habitualmente me sentia à vontade, o que a classificação final comprovava a sempre favorável opinião do avaliador.
Contudo, numa das vezes comuniquei-lhe o meu desacordo com a nota obtida, pois que apesar de muito boa, no meu entender, o meu texto não estava à altura de outros que foram objecto de igual apreciação.
Perguntou-me porque não, ao que lhe respondi que por motivos que me eram familiarmente penosos, tinha tido de excepcionalmente tomar um calmante e que tal me diminuia a capacidade de concentração e que apenas com muito esforço tinha feito o teste, ao que lhe pedia que me revisse a nota, dando-lhe a severidade merecida.
A resposta e uma frase que me perseguiu não se fizeram esperar junto das mãos nos meus ombros "pois então esse teste tem ainda mais valor e a nota é merecida. Olha, a escrita é uma arte e uma ferramenta que tu sabes usar bem. Não pares".

Nunca mais esqueci aqueles momentos e se eu soubesse de facto escrever algo, foi ele quem na verdade mo disse alguma vez.

Estas lágrimas enquanto escrevo, já não as posso partilhar com ele.
Adeus meu professor. Agora terei de aprender sozinho.

notícia disponível em http://www.e-cultura.pt/DestaquesDisplay.aspx?ID=237

Filólogo e arabista. Formado em Filologia Românica pela Universidade de Lisboa (1939), onde foi discípulo do arabista David Lopes, é também formado em Ciências Pedagógicas pela Universidade de Coimbra (1948). Assistente da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (1942-1943), funções que a seu pedido deixou de exercer, foi professor do ensino técnico a partir de 1949 e, desde antes mesmo de formado, membro da Comissão de Redacção do Vocabulário e do Dicionário da Academia das Ciências de Lisboa (1938-1940). A sua carreira de arabista inicia-se em 1939, com a publicação de Alguns Vocábulos de Origem Arábica, e reafirma-se logo no ano seguinte com a tese de licenciatura, Comentários a Alguns Arabismos do "Dicionário" de Nascentes. Como filólogo, o seu primeiro trabalho, Curiosidades Filológicas, data de 1940, seguindo-se-lhe, em 1942, O Português do Brasil. Historiador, bibliógrafo, publica os seus primeiros trabalhos nessas áreas respectivamente em 1940 e 1941. Como dicionarista, revelar-se-ia um dos maiores da língua portuguesa, logo quando subscreveu a 10ª edição, em 12 vols., 1948-1959, do Grande Dicionário da Língua Portuguesa, de António Morais Silva. Nesta obra, de que António Pedro seria a um tempo editor e mecenas, José Pedro Machado teve a colaboração de Augusto Moreno e Cardoso Júnior, mas é ao seu paciente labor que se deve um tal monumento ainda hoje inultrapassado. José Pedro Machado editou o Cancioneiro de Évora (1951) e, de colaboração com sua esposa, Elsa Paxeco, o Cancioneiro da Biblioteca Nacional, em 8 vols. (1949-1964). Publicou ainda a Bibliografia de David Lopes (1967) e, em 3 vols., os Dispersos de D. Carolina Michaëlis de Vasconcelos (1969-1972). A sua bibliografia ultrapassa a centena de títulos, não contando com as mais de seis centenas de crónicas em jornais, revistas e boletins diversos.

2 comentários:

Anónimo disse...

Fui aluno da EIAF no último ano que funcionou em Xabregas e, depois frequeentei-a em Chelas. Fui aluno de história do Professor Belarmino Barata e, embora não fosse meu professor, sempre que tinha um furo, ia assistir às aulas do Professor Pedro Machado.
Penso que devo ter assistido a tantas aulas dele como às dos meus professores de Português.
Participei para ele, nos trabalhos para a actualização dum diccionário, escrevendo vocábulos numa pequena folha de papel onde ele, depois, ia escrever actualizando o significado.
Em História obtive a minha nota máxima, como ele como Presidente do Júri (dezanove valores). a nota mais elevada depoi da minha foi um dezassete.
O tema baseava-se nos nossos descobrimentos marítimos.
Além dum òptimo professor era um amigo, um conselheiro e muito mais.
Quando hoje vejo o panorama do nosso ensino, sinto uma tristeza indescritível.
Já há tempos escrevi acerca dele no blogue Bússola do Manuel Serrão.
Homens destes não morrem, continuam presentes em nós atravez da obra que deixaram e connosco, se soubermos, dentro das nossas limitações, ser os seu continuadores.
Caro Professor, permite que um velho admirador de Há quasi sessenta anos te abraçe.

Manuel Leonardo Horta Nova
Leonardhorta@gmail.com

Anónimo disse...

Fui aluno, não de História, mas de Geografia do Professor Belarmino Barata na Escola Industrial Afonso Domingues no ano lectivo de 1978/79. Era já um docente de madura idade com uma postura que fazia lembrar os velhos Mestres de outrora - os que assistimos em filmes de época: solenes e declamatórios! Me marcou muito, sem dúvida, até pelo comprometimento que tinha com a formação dos alunos!