sábado, dezembro 17, 2005

O roubo do pinheiro de Natal

Existem histórias que se fundem na imagem de um conto, mesmo que esse conto relate a realidade.

Um olhar atento decorava aquela carita de olhos precoces, onde a atenção a tudo o que o rodeia mal servia para saciar a sede de tudo o que a vista alcança.
Eram tempos em que as ruas e estradas se confundiam com lugares de brincadeira, à míngua dos escassos automóveis que quase envergonhadamente se atreviam nos espaços e vielas do bairro, onde tudo e todos se conhecem mutuamente. Era neste espaço que aquela e outras crianças partilhavam brincadeiras e risos, sob o olhar cúmplice das mães que trocavam cuidados entre todos.
Entre jogos e corridas, aquele menino atrevia-se nas incursões nas ruas e recantos numa descoberta constante de espaços e de novidades.
De repente, quase como que por magia, cuidadosamente empilhados, uns quantos pinheiros, tão pequenos quanto ele, estão quase que envergonhados, lado a lado, num abraço fraternal como os que ele gostava de sentir. Não sabia como tinham ido parar alí, bem próximo da mercearia onde a sua mãe costumava ir. Não percebia qual o sentido de pequenas árvores que costumava ver no pinhal, que julgava ser de todos, irem para às ruas, aparentemente abandonados, à espera que algumas pessoas lhes pegassem, quase sempre com um sorriso nos lábios para os decorarem com requintes multicores, quase sempre acompanhados de presépios mais ou menos encenados, que ele se habituara a ver nas casas dos amigos com os olhos arregalados.
Assim, aquele aventureiro de poucos anos arma-se de um andar discreto mas decidido e decide-se pela indecisão até chegar a casa entre dois dos mais formosos pequenos pinheiros que segura nas duas mãozitas que a custo os arrastam. Naquele ano também a sua casa iria ter um pinheiro de Natal.
Chegado a casa, concluiu a sua escolha do pinheiro da sua preferência, que decidiu esconder debaixo da cama para surpreender os pais, remetendo o outro para aquele idoso que ele conhecia vagamente e que o vinha secundando nos passos, perguntando-lhe onde fora buscar os pinheiros. Contente e feliz, partilha com ele aquele pinheiro, enquando de dedo esticado aponta onde o idoso poderia buscar mais se quisesse, eventualmente para dar a outras pessoas, que como ele, nunca tinham tido um pinheiro de Natal. O idoso aceitou o pinheiro afastando-se em direcção aos restantes.
Surpreendida e visivelmente preocupada, a mãe obriga-o quase ameaçadora, a dizer onde tinha ido buscar aquele pinheiro. Inocente e frustrado, indica o local onde os pinheiros de natal se ofereciam a quem os quisesse. O caminho fez-se de volta, obrigado, de novo com o pinheiro que adoptara diante do ar zangado da mãe, numa atitude que não compreendia. Ali estava de novo o idoso que antes vira e a quem não entendia porque a mãe lhe pedia desculpa, enquanto o açoitava por uma culpa que não conhecia.
Entre as lágrimas, a dor mais forte era a de não compreender, porque não tinha ele um pinheiro de Natal como as outras crianças ? Afinal de quem são os pinheiros que ele costuma ver nos pinhais ?
Resignado, esperou mais uma vez por aquele dia mágico em que de manhã bem cedo iria à cozinha buscar o brinquedo que o menino Jesus lhe teria deixado, mesmo que fosse sem árvore de Natal nem presépio, mesmo sem festa e sem a família reunida, apesar da sua mãe fazer anos naquele dia.
Entretanto e sem resposta às perguntas que não fizera, um dia chegou a casa, onde surpreendido, encontrou um pequeno pinheiro que se esforçava para brilhar num pose de vaidade, com serpentinas de brilhantes e bolas de várias cores com que a sua mãe enfeitara, que apesar do esforço já não lhe fazia arregalar os olhos, embaciados por tudo o que não compreendia.

2 comentários:

Maria Carvalho disse...

Lindo o teu conto! Cheio de ternura, doçura, o que não compreendemos em crianças e, que tanta vez, não compreendemos em adultos. Desejo-te um Feliz Natal, com muitos beijos meus.

M.A. disse...

o pinheiro de Natal...um símbolo perdido na compreensão dos "crescidos"...mas mágico para as crianças, com a luz e o(s) presente(s).
gostava de me tornar também "presente" neste pinheiro, que está dentro desta história.
Assim eu consiga desaparecer magicamente e lá aparecer ...
De resto, não tenho jeito para dizer aquelas coisas do costume.só isso.


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