segunda-feira, outubro 30, 2006

Talvez eu fosse ...


Talvez eu fosse bom, se apenas desse tudo de mim sem sequer questionar,
Talvez eu fosse boa pessoa, se ignorasse a indiferença e desse as duas faces da cara,
Talvez eu fosse bom cristão, se rezasse em vez de orar,
Talvez eu fosse santo, se me ajoelhasse durante o pecado,
Talvez eu fosse bom amigo, se ajudasse sem ver,
Talvez eu fosse bom companheiro, se não olhasse a quem precise,
Talvez eu fosse bom irmão, se esquecesse os restantes,
Talvez eu fosse bom filho, se escolhesse os pais,
Talvez eu fosse bom marido, se ignorasse quem sou,
Talvez eu fosse bom pai, se não soubesse ser filho,
Talvez eu fosse bom juiz, se condenasse em vez de julgar,
Talvez eu fosse bom elemento, se cumprisse e não pensasse,
Talvez eu fosse bom, se apenas desse tudo de mim sem sequer questionar,

Talvez eu fosse ... mas não sou.

sábado, outubro 28, 2006

Impróprio para consumo

Neste país, a saúde pública é um termo que enche a boca de governantes, políticos, médicos, técnicos e outros assalariados que a bolsa de todos paga, para que aquela seja, à semelhança das demais necessidades da sociedade, tratadas com o desdém que a incúria pública, na prática professa e assume traiçoeiramente no hábito diário.

Hoje as compras ocasionais no supermercado Feira Nova da Póvoa de Santo Adrião incluiram entre outros bem, um frango.
Até aqui, nada de especial, até ao momento que a abertura da embalagem do galinácio, que surpreendentemente anunciava o fim da validade para amanhã, anunciou irreverentemente o cheiro nauseabundo do perecimento após a morte, onde a conservação não terá passado de uma tentativa, visivelmente falhada.

A probabilidade do estado de decomposição se ter estendido a muitos outros exemplares, era tão elevado, quão expectável que dezenas ou centenas de pessoas iriam comprovar através do choque olfactivo a que seriam sujeitas, como eu.
Assim, o risco associado ao eventual consumo de putrefactos manjares a que nem as mais resistentes faunas e floras intestinais iriam resistir, levou-me ao ritual de alerta que em sociedades actuais, deveria constituir-se como uma prioridade previsível.

A tentativa de contacto para a Inspecção Geral das Actividades Económicas (IGAE), revelou-se inviável, porquanto o número de telefone na agenda anunciava-se como não atribuído. Valeu-me a consulta na Internet para saber que aquele organismo foi extinto, tendo sido integrado na Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE).
Mais uma vez, a tentativa de contacto, agora para a ASAE, se revelou infrutífero, porquanto o segurança que atendeu o telefone cerca das 20h00 anunciou que os serviços estavam encerrados e que poderia contactá-los na próxima 2ª feira, altura em que muito provavelmente, o stock de aves, em estado que nem a mais degradada múmia egípcia invejaria, já estaria pulverizado num enorme número de clientes do supermercado.
O passo seguinte neste calvário de luta pela saúde pública, levou-me a ligar para a PSP de Odivelas, a qual, compreendendo a situação, se anunciou como aparentemente impedida de actuar sem ordens da ASAE para intervir, excepto em caso de evidência de o prazo de validade ter sido ultrapassado.
Restou-me a alternativa de fazer o próprio supermercado actuar como juíz em causa própria, ou seja, alertar o responsável do mesmo sobre a ocorrência, para que sob seu discernimento, ou eventual falta dele, possa intervir impunemente, caso decida retirar o produto em causa da prateleira. Foi o que fiz, mas não sei se foi o que ele fez.

É assim que em casos como estes, nos vimos impossibilitados de fazer intervir, um organismo que devia estar permanentemente preparado para o fazer, sobretudo sabendo-se que o que está em causa é a saúde pública.
No meu entendimento, associado ao estado de impróprio para consumo do frango, associa-se a putrefacção da (in)operacionalidade de organismos estatais que deviam observar aspectos críticos como a saúde pública.

É caso para dizer que "putrefacção assim, não é só no Feira Nova".

quarta-feira, outubro 25, 2006

Faz hoje um ano

Faz hoje um ano que levei a minha mãe para “o” lar.
Faz hoje um ano que não comemoro nem dou vivas, nem convido os amigos para partilhar as alegrias que a felicidade nos permite colocar na mesa onde os convivas se alimentam.
Faz hoje um ano que aquela face doce que me embalou partiu comigo à descoberta de um espaço, onde esquecidos estão outros que como ela, apenas desejam continuar parte das vidas a quem deram a vida.
Faz hoje um ano que aquele espaço se estendeu a partir do meu, qual ramo que agarrado à mesma árvore, partilha o mesmo sol, a lua, o vento, a chuva e as gotas de orvalho escorrem das mesmas folhas onde bebo.

Faz hoje mais um ano, que nos cuidados as mãos e a alma não hesitaram, na doença e na fraqueza o corpo não se tolheu e na defesa a voz nunca se calou, qual muralha afrontando o mar mais revolto em açoites de tempestades em guarda ao porto de abrigo onde se resguardam os indefesos.

Faz hoje um ano, que mais um ano e anos mais, as vozes se calem, as bocas das hienas não mordam, as beatas não condenem rezando e de esquecido eu não padeça, que ante mil demónios nunca me fiz rogado, e que a mais ninguém ousara temer que não a mim mesmo.
Faz hoje um ano, que a chuva, o vento e o frio, têm sempre a mesma cor do sol num dia de verão, guardado no sorriso com que se alimenta um qualquer amor maternal.

Faz hoje um ano que levei a minha mãe para “o” lar, onde uma parte de mim ficou também e onde volto quase diariamente para me reencontrar.

segunda-feira, outubro 16, 2006

Ilda: 13 de Junho de 1950 ... 16 de Outubro de 1955

Minha irmã, quando te conhecer terminará a minha história, que começou quando tu nasceste.

O pai está contigo e a mãe mal recorda o dia.
Resto eu que não te tendo conhecido, não te esqueço.

Repousa em paz profunda lá no céu eternamente.

terça-feira, outubro 03, 2006

Até ...

Não me apetece estar aqui nem ouvir o que não faz sentido. Doi-me.
Apago as luzes e fecho as portas.
Desligo os comentários e encerro a escrita.
Não sei se volto nem quando volto.

Volto a ser sombra no deserto.
Até breve ou até sempre ... não sei.
Vou descansar.

segunda-feira, outubro 02, 2006

100

Desde o momento em que iniciei esta pequena aventura de ter um blog, já lá vai a centena de posts, uma moderada quantidade de centelhas que têm saltado com alguma irregularidade da pequena fogueira de sentimentos e de vontades a que me tenho remetido num abandono total ao que penso, sem preocupações de estilo ou modo.


Confesso que o entusiasmo mantem-se o de outrora, neste lugar de onde vejo passarem caravanas de textos e de gentes, ora com agrados e cumprimentos, ora com desagrados ou ironia.
A todos acolho de peito aberto sem que em algum momento responda, porquanto seja este um lugar onde me exponho à leitura, e o debate outros espaços e lugares guardem, no respeito nas opiniões e divagares de cada um.

Confesso que a surpresa aqui me encontrou em cada cruzamento de caminhos e entendimentos. Aqui encontrei excelência no escrever e no sentir de outros que leio.

Aqui me lancei cem vezes na admiração e na alma de quem sabe chegar aos demais, apenas por saber fazê-lo como ninguém.
Aqui vi gente ignorante, ensinando e sábios na eterna condição de aprendizes.
Aqui vi gente solidária mesmo que sós e gente na multidão aprisionada dentro de si.
Aqui vi gente chorando enquanto sorria e risos soltos por entre a tristeza onde estavam.
Aqui vi gente simples que são bem mais do que eu e gente feita no saber que sabem menos do que quero eu saber.
Aqui vi cordeiros na pele de lobos e lobos que se acercam de cordeiros.

A todos vi, mas a alguns recordo em cada linha que escrevo, em cada resposta que não dou a cada um e a todos os comentários que arremeçam, em cada momento que alimento a fogueira de onde nasce o que escrevo.
A todos ofereço cada palavra e cada frase que por aqui lanço como dados, numa mesa de um jogo que não sei jogar, porque cada letra que vos remeto é um pouco de mim que se esvai neste espaço que vos dedico.
Aos que frequentemente aqui vêm, inclino-me na simplicidade de ser para eles que mais escrevo e mais recordo a cada momento em que registo o que sinto.

Aos que duvidam, vos digo que tudo aqui foi sentido e vivido, porque não sei ser diferente.