A arte dos deuses
Sabia que as estatísticas apontam para 10% dos casais com problemas de infertilidade ?
O portão de casa abriu-se com o som, naquele dia diferente, insensível e com a tonalidade “de facto”, como se unisse à sentença que a sorte houvera imposto, indiferente aos apelos da maternidade e da paternidade.
Para que queria aquela casa que tanto desejara ? De que serviam, o emprego, o carro, a mota e tudo o resto ? A quem deixar o que embora não fosse demais, significava um nome, um esforço e uma vida num olhar ? Infame seria o pão que comia e vil o beber da água com que matava a sede. A vontade teimava em ser de abandono de tudo e de todos, e a tenacidade sucumbia à frieza dos factos.
Não poderia ser “Pai”. Restava-me o consolo de o problema ser meu e assim poder carregar comigo apenas, o apontar do dedo a uma culpa que afinal não o era. Estaria assim, votado ao amor dedicado a sobrinho e afilhados, que a sorte fazia traduzir em acessos frustados de paternidade adiada ao eterno.
Que fizeram outros que em sombras como eu se acharam em tal desmando ?
Valerá a pena fazer algo, ou arcar com a sorte, que de má, já se anunciara ?
O acaso fizera recorrer da nota que o destino, num aparente acaso sem sentido prévio, durante uma reunião de trabalho fizera guardar previdente na agenda, com o contacto do médico que fizera fama na arte de contrariar as sortes a quem os deuses impuseram de mau trato a quem quisera descendência dar o sonho de vida.
O caminho para a consulta de infertilidade fizera-se de acordo com o estigma lançado pelo nome, transformando à primeira vista o acesso, como um encontro de condenados ante o patíbulo condenatório que as paredes do consultório guardavam cúmplices, numa privacidade íntima.
O anunciar do nome, tornava semi-pública a acusação que cada um dos presentes sentia de estar ali, o que a custo o rosto condescendente do médico procurava atenuar numa atitude compreensível qual sacerdote do sagrado.
A consulta devolvera a rebeldia à sensatez do inconformismo, enquanto os esforços e reforços se concentravam em contrariar a sorte e devolver aos deuses a sorte que só a vontade sabe fazer. A dor tornara-se no alimento que fizera cerrar o punho, capaz de vergar o mais ímpio dos destinos, numa quase insensatez religiosa, que votara injusta no momento e por enquanto, à condenação ateia a hipótese de adopção.
Aliados à contrariedade do destino, exames médicos, consultas e tratamentos sucederam-se num calvário promissor e vicioso, onde conta apenas o objectivo final, a todo e qualquer custo que a sorte imponha no caminho. A determinação fizera esquecer dores e as lágrimas sublimaram-se na decisão a que se vergaram outras opções de vida, para garantir a viabilidade financeira da empreitada.
Os ciclos de tratamentos, nas desmandas à sorte, sucederam-se tríplices, esgotando fontes e alentos e a vontade arrastava-se às sortes sempre iguais do insucesso. Médicos e técnicos manipulavam a vida, quais deuses gerando novos seres a embalar nos cálices sagrados dos ventres das mães que assim se tornavam no instante de o pretenderem.
À terceira arremetida, tudo correra pior que o esperado, vergando pela primeira vez, a costumada impavidez do médico face à sucessão traiçoeira de imprevistos a que apenas a obstinação fez enfrentar até ao último momento, o qual haveria de ser, contra todas as probabilidade, ser coroado do êxito, já precipitadamente desmentido antes.
Assim, de tristezas e resultados a desmentir e de teimosas cautelas, sai o resultado que contrariando os demais e anteriores, qual fénix surtida das cinzas fazem renascer um sorriso amplo, enquanto as lágrimas de felicidade tomam as palavras que a boca não consegue dizer perante a surpresa dos crentes numa desilusão eminente.
Mais análises e exames quebraram as dúvidas e empolgaram a alegria, associando-se à surpresa do médico ante a dura caminhada, digna de fazer temer Hércules, nas dificuldades passadas.
No contrariar das sortes dos deuses, o sentimento era na temeridade, digno do maior dos atrevimentos e na condição de ora em diante de “pai” e “mãe” o do maior consolo, recompensando a obstinação e a perseverança e devolvendo à justiça o sublime amor devotado no acto futuro de “adopção” de qualquer filho próximo.
Dedico este post a todos os casais, que por problemas de infertilidade, tenham de recorrer à concepção medicamente assistida, numa mensagem de esperança, de obstinação e de perseverança, numa tarefa que é francamente árdua e exigente a todos os níveis, na qual quase só a teimosia pode ajudar qualquer apoio médico.
Dedico igualmente ao Prof. Dr. Calhaz Jorge e restante equipa que no dia 5-12-2002 fez a implantação de 2 embriões obtidos pela técnica de Fertilização In Vitro através de Micro-injecção(ICSI) que na terceira tentativa e após tudo (ou quase) ter corrido em contrariedade, sugiu inesperadamente uma gravidez de sucesso, de onde surgiu um pequeno ser que continua a ilustrar o encanto do milagre da vida.
4 comentários:
Deixo um beijo de luz a todas as vidas que possam disfrutar de paz e amor, e de que seja capaz de as acarinhar para todo o sempre
Rui: sem dúvida alguma que estas tuas palavras me calaram. Um hino à Vida e à Esperança e a tudo o que de belo existe. Admiro-te e à tua mulher (que não tenho ainda o privilégio de conhecer)por toda a preserverança no caminho do Amor. Adorei ler-te. Beijos meus.
Votos de maiores felicidades.
Bem as merecem!
E agora que finalmente o teu blog me permite abrir os comentários... Deixo o meu (A) de Admiração pela vontade, pela força, pela coragem, pelo amor, pela dedicação com que ambos se entregaram ao amor da melhor coisa que se tem na vida.
És sem duvida uma pessoa a admirar Rui... e a I----- é uma mulher de armas isso não restam duvidas. De uma forma singela e carinhosa, desejo-vos sinceramente que o vosso filho seja sempre o melhor das vossas vidas.
E um VIVA para os salvadores de vidas. Neste caso tb criadores""
Ana
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