domingo, setembro 25, 2005

Venha o Diabo e escolha

Portugal, à semelhança de outros países, na sua maioria do terceiro mundo, continua a ser um palco de vaidades, para políticos, dos quais o discurso pouco varia e a credibilidade se vai dissipando num nevoeiro de falsa esperança, para um pouvo que ainda espera por D. Sebastião.

Mário Soares, do alto da sua provecta idade volta à carga da presidência da república, num altruísta sacrifício pela Nação cujo esforço exigido, condimentado com alguma idónea arrogância, lhe permitiria, quem sabe, espraiar-se naquilo que tanto gosta de fazer, viajar.

Cavaco Silva, o eterno pseudo-candidato à espera de concorrer quando não o tenha de fazer, isto é, quando saiba à partida que a vitória é certa. Entretanto vai mantendo a candidatura em banho maria, aquecido por uma fogueira de lições de uma cátedra oportunista.

Manuel Alegre, dos três, para muitos o mais inconstante e imprevisível, enquadra-se no trio como reduto dos que do centro à esquerda se prefilam e do clã Soares se sentem desamados. Cabe-lhe o merecimento de lisura numa candidatura a que poucos honestos de afoitam.

Dos demais candidatos, que outras venturas mobilizam, do Partido Comunista ao Bloco de Esquerda, movem intenções que a vitória não dará testemunho.

quarta-feira, setembro 21, 2005

Idonea verba

"Adeus mundo, cada vez pior"

Acabo de saber que Fátima Felgueiras voltou, é recebida com aplausos de apoiantes, foi detida e enviada em liberdade até ao julgamento, o qual se realiza depois das eleições autárquicas na quais concorre para a Câmara Municipal da cidade com que partilha o nome.

É tão só mais um exemplo, como:

  • Isaltino Morais após o escândalo da conta bancária na Suiça e à revelia do partido candidata-se à Camara Municipal de Oeiras;
  • O major Valentim Loureiro, detentor de 1.234.567.890 cargos, envolvido no processo "apito dourado", autor de cenas dignas de qualquer filme italiano dos anos 60, com um passado de que todos desconfiam e poucos têm certezas, à revelia do partido candidata-se à Camâra Municipal de Gondomar;
  • Avelino Ferreira Torres, ao seu estilo, igualmente envolvido em processos, que a maioria acusa de duvidosos, candidata-se à Câmara Municipal de Amarante, após ter sido autarca de Marco de Canavezes;
  • Pinto da Costa, continua impávido e sereno e com ar inocente e quase injustiçado, apesar do seu envolvimento no processo "apito dourado";
  • Herman José e Paulo Pedroso têm estado fora de um julgamento onde têm sido citados pelos ex-alunos da Casa Pia, por pedofilia, e ambos continuam a sua vida impávida e serenamente;
  • Políticos, governantes e deputados são "apanhados" em alta velocidade em total desprezo pelas regras de segurança e código da estrada com punições impostas pelos mesmos aos demais;
  • Deputados fazem viagens em condições ilícitas e saiem ilesos do processo;
  • Juiz conselheiro do Presidente do tribunal é conduzido injustificadamente a 200km/h na auto-estrada e nada lhe acontece, numa postura pública degradante;
  • Padre pedófilo escapa ileso da prisão em saída precária e vai para o Brasil impunemente;
  • Pedófilos e amigos igualmente pedófilos gozam sistematicamente com o aparelho judicial e são julgados em liberdade em arremessos duma arrogância angelical;
  • Ministra é envolvida em processos de contaminação de hemofílicos com o vírus da SIDA e parece que ninguém é culpado (a não ser o vírus, é claro);
  • O administrador do Banco de Portugal farta-se de criticar governos e governantes com repetidas reprimendas apontando para a redução da despesa pública, enquanto gasta milhões em compra injustificada de frota de luxo para os seus colaboradores;
  • Administradores, directores, assessores, funcionários, quais portugueses de primeira, remetem os demais para o lugar cimeiro das obrigações sociais e fundeiro nos direitos.

Porra, quando é que teremos um país decente com gente decente ?

sábado, setembro 10, 2005

Quando alguns ajudam muitos

Há algum tempo, a impossibilidade de encontrar um lar para a minha mãe, em moldes financeiramente sustentáveis, levou-me a descobrir uma instituição IPSS (Instituição Pública de Solidariedade Social), neste caso a Santa Casa da Misericórdia da Venda do Pinheiro, para fazer face ao orçamento familiar limitado e à falta de vagas em lares com apoio da Segurança Social, designadamente no Lar da Santa Casa da Misericórdia de Mafra (única com lar na região mais próxima), local onde o internamento da minha mãe iria proporcionar as condições que ela desesperadamente necessita e onde eu igualmente poderia acompanhá-la e apoiá-la como sempre fiz e continuo a fazer, embora com enorme esforço.

Embora prevenido com comentários de amigos sobre a Santa Casa da Misericórdia da Venda do Pinheiro, foi grande a surpresa quando constatei o que alguns fazem por muitos, mesmo com o apoio de poucos.

Sempre pensei que as "Santas Casas" eram uma só organização, com largos proveitos directos ou indirectos, resultantes das receitas do Totobola, Totoloto e outros jogos de azar.

Com efeito, esta instituição desenvolve uma actividade que visa pessoas carenciadas das várias faixas etárias, desde crianças a idosos, contando para isso de vários profissionais e voluntários, que conjuntamente asseguram serviços de cuidados personalizados, que vão desde o acompanhamento e ocupação de tempos livres, até à higiene pessoal e cuidados de conforto, passando pelo tratamento de roupas, entre outras actividades de igual importância e utilidade.

Se me surpreendeu o âmbito da actuação da instituição, mais me surpreendeu o empenho dos profissionais e voluntários envolvidos face aos meios e apoios disponíveis. A exemplo, a forma cuidada e atenta com que tratam os idosos (e a minha mãe é uma das pessoas) e o benefício destes pela dedicação daqueles.

Apesar de o Estado (que na verdade somos todos nós, mas que apenas uns quantos administram) ter a co-responsabilidade em garantir aos idosos que estes tenham as condições necessárias a uma existência condigna, a verdade é que são instituições como esta, que a troco de nada ou por mera consciência social, operam verdadeiros milagres em situações que muitos teimam em ignorar, distraídos com os plantéis dos clubes de futebol e com as candidaturas à presidência da república de quem pouco ou nada se parece importar com as situações aqui em causa.

Por tudo isto e o muito mais que aqui não cabe em palavras, o meu obrigado, a minha admiração e a minha disponibilidade para com os que na Santa Casa da Misericórdia da Venda do Pinheiro e outras instituições congéneres, tornam a vida de muitas pessoas, mais digna e mais confortável. Para muitos eles são os amigos e a família adoptada, que diariamente lhes leva alimento para o corpo e para a alma.

Por tudo isto, vale a pena:

- Estimular as empresas a concederem donativos (existem benefícios fiscais para o efeito);

- Ser-se sócio daquela instituição;

- Contribuir com donativos ou bens que sejam necessários;

- Prestar todo o apoio e divulgar aquela instituição e a sua obra.

O preço justo

Existem histórias que pela sua mensagem não deixam de nos emocionar, mesmo quando as lemos várias vezes. Esta encontrei-a por acaso num folheto espalhado sobre as cadeiras na sala de espera de um hospital.

Dedico-a aqueles que perante as dificuldades, não hesitam.

A carita colava-se ao vidro da montra, achatando o pequeno nariz. Os olhos reluziam enquanto percorriam os artigos expostos, numa escolha difícil, onde a beleza era o único critério de escolha para quem ainda não conhece o valor do dinheiro. As pequenas mãos de dedos finos e bem proporcionados, encostadas ao vidro, mais pareciam separar uma fronteira invizível mas relutante que a separava do desejo e a remetia à dura realidade.
Finalmente algo quebrou a escala da escolha adequando-se perfeitamente ao fim em vista. A beleza que um colar de turquesas finamente trabalhado irradiava, quase que apelava à escolha, sobrepondo-se na atenção daquela menina.
Decidida, uma figura pequena, entra na loja, aproximando-se do balcão que as pequenas mãos dificilmente alcançavam. As suas vestes eram modestas, anunciando no entanto o trato cuidado.
- Que queres pequenina ? - pergunda a face severa do ourives em trejeito descrente.
- Quanto custa aquele colar ? - questiona aquela pequena figura de ar decidido.
- Aquele colar minha filha, é muito caro. Porque perguntas ?
- Sabe, a nossa mãe morreu há um ano e é a minha irmã mais velha quem trata de nós. Ela é muito boa para todos nós e hoje faz anos. Aquele colar é da cor dos olhos dela e eu quero oferecer-lho porque acho que lhe ia ficar muito bem. Eu tenho um mealheiro e trouxe todas as minhas moedas - exclamou a garota, mantendo a decisão e colocando um pequeno molho de moedas sobre a mesa que guardava numa das mãos.
- Acha que chega para comprá-lo ?
No dia seguinte uma jovem, cujo cabelo emoldurava uma face morena onde dois olhos azuis acumulavam uma beleza invulgar, já garantida por aquela cara bonita.
- Diga-me por favor, este colar foi levado daqui ? - perguntou a jovem colocando um colar de turquesas sobre o balcão, ainda embalado pela embalagem tratada com cuidado.
- Sim minha jovem. Esse colar foi vendido ontem - retorquiu o ourives cujo ar severo da cara foi amaciado por um sorriso calmo.
- Mas como foi possível a minha irmã comprá-lo, se nós somos pobres e não temos possibilidades de o pagar ? Decerto houve algum engano. Peço-lhe que o aceite de volta.
- Queira desculpar, mas os negócios com os nossos clientes são da máxima confidencialidade e posso assegurar-lhe que tudo se passou com a maior honestidade - respondeu o ourives.
- Mas como, se a minha irmã apenas tinha algumas moedas ?
- Minha jovem, leve o seu colar. De facto esse colar é muito caro mas a sua irmã pagou o preço um preço justo por ele, pois deu tudo o que tinha.

segunda-feira, setembro 05, 2005

Tributo a pessoas: Prof. José Pedro Machado (1914-2005)

Acabei de me aperceber que o Prof. José Pedro Machado, meu ex-professor (se é que alguma vez um professor deixa de o ser e passa a "ex-") de Língua Portuguesa e de Francês na Escola Industrial Afonso Domingues (EIAD) faleceu.
De facto os blogs nem sempre trazem consigo as boas notícias, pois acabo de ter consciência disso, também num blog por onde deambolava calcorreando gostos alheios.

Junto de outras figuras, igual e discretamente ilustres, como o Engº José de Sousa Monteiro e Prof. Belarmino Barata, o Prof. José Pedro Machado marcou todos quanto tiveram a preciosa oportunidade de o conhecer.
Soubesse ele que a alma deste seu aluno ainda mantém aceso o amor pelos Lusíadas e a obra de Camões que ele me ensinou a ler e a interpretar.
Soubesse ele o quanto o recordo e guardo as lágrimas que partilhei quando dele me despedi no final do curso.

Não obstante ter sido referenciado como um dos seus melhores alunos, não esqueço particularmente o seguinte episódio.

Frequentemente os testes de Língua Portuguesa em cursos técnicos, com este professor, incidiam sobretudo na interpretação de textos e na oportunidade de exprimir opiniões e pensamentos, tarefa em que habitualmente me sentia à vontade, o que a classificação final comprovava a sempre favorável opinião do avaliador.
Contudo, numa das vezes comuniquei-lhe o meu desacordo com a nota obtida, pois que apesar de muito boa, no meu entender, o meu texto não estava à altura de outros que foram objecto de igual apreciação.
Perguntou-me porque não, ao que lhe respondi que por motivos que me eram familiarmente penosos, tinha tido de excepcionalmente tomar um calmante e que tal me diminuia a capacidade de concentração e que apenas com muito esforço tinha feito o teste, ao que lhe pedia que me revisse a nota, dando-lhe a severidade merecida.
A resposta e uma frase que me perseguiu não se fizeram esperar junto das mãos nos meus ombros "pois então esse teste tem ainda mais valor e a nota é merecida. Olha, a escrita é uma arte e uma ferramenta que tu sabes usar bem. Não pares".

Nunca mais esqueci aqueles momentos e se eu soubesse de facto escrever algo, foi ele quem na verdade mo disse alguma vez.

Estas lágrimas enquanto escrevo, já não as posso partilhar com ele.
Adeus meu professor. Agora terei de aprender sozinho.

notícia disponível em http://www.e-cultura.pt/DestaquesDisplay.aspx?ID=237

Filólogo e arabista. Formado em Filologia Românica pela Universidade de Lisboa (1939), onde foi discípulo do arabista David Lopes, é também formado em Ciências Pedagógicas pela Universidade de Coimbra (1948). Assistente da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (1942-1943), funções que a seu pedido deixou de exercer, foi professor do ensino técnico a partir de 1949 e, desde antes mesmo de formado, membro da Comissão de Redacção do Vocabulário e do Dicionário da Academia das Ciências de Lisboa (1938-1940). A sua carreira de arabista inicia-se em 1939, com a publicação de Alguns Vocábulos de Origem Arábica, e reafirma-se logo no ano seguinte com a tese de licenciatura, Comentários a Alguns Arabismos do "Dicionário" de Nascentes. Como filólogo, o seu primeiro trabalho, Curiosidades Filológicas, data de 1940, seguindo-se-lhe, em 1942, O Português do Brasil. Historiador, bibliógrafo, publica os seus primeiros trabalhos nessas áreas respectivamente em 1940 e 1941. Como dicionarista, revelar-se-ia um dos maiores da língua portuguesa, logo quando subscreveu a 10ª edição, em 12 vols., 1948-1959, do Grande Dicionário da Língua Portuguesa, de António Morais Silva. Nesta obra, de que António Pedro seria a um tempo editor e mecenas, José Pedro Machado teve a colaboração de Augusto Moreno e Cardoso Júnior, mas é ao seu paciente labor que se deve um tal monumento ainda hoje inultrapassado. José Pedro Machado editou o Cancioneiro de Évora (1951) e, de colaboração com sua esposa, Elsa Paxeco, o Cancioneiro da Biblioteca Nacional, em 8 vols. (1949-1964). Publicou ainda a Bibliografia de David Lopes (1967) e, em 3 vols., os Dispersos de D. Carolina Michaëlis de Vasconcelos (1969-1972). A sua bibliografia ultrapassa a centena de títulos, não contando com as mais de seis centenas de crónicas em jornais, revistas e boletins diversos.

Tributo a valores: Risoleta Pinto Pedro

Ao longo da minha vida, sempre me atrairam mais os números do que as letras, admirando nos primeiros a indiscutível certeza do que significam e reservando para os segundos a beleza das palavras e o fascínio de comunicar.
Assim, tanto por vocação (ou falta dela), como por inércia ou preguiça, foram e têm sido escassas as horas que dediquei à escrita e à leitura, tornando-me por natureza adquirida, alvo difícil e reticente de atrair a atenção nas letras e nas escritas. Não porque fosse conhecedor ou exigente sobre o que lesse, mas por negligente falta de vontade de o fazer.
Contudo, quando a Sandra me iniciou nos "blogs" com o seu "Cobre & Canela", deste por link, me reiniciei nas leituras, de forma mais assídua, agora no "Riso Cor de Tejo" da autora Risoleta Pinto Pedro, que as sortes nunca fizeram que conhecesse pessoalmente, embora tenha usurpado assento entre a sua legião de fãs devotos.
De facto, embora tenha chegado de maré ao blog da Risoleta, qual porta aberta, entrei e servi-me do que havia para ler sobre a mesa, sem que pedisse licença, pois que o que ali estava quase reclamava leitura a quem passasse. Sabe bem quando quem o fez, sabe escrever, pois assim as palavras escorrem suaves, onde as vogais e as consoantes dão as mãos, esquecendo que são diferentes e chegamos ao fim da leitura com um sorriso nos lábios, saciados de um sabor doce e calmo, como as águas do Tejo em dia de uma calmaria teimosa que apenas o voar das gaivotas se atreve a desafiar.
Textos e imagens, opiniões e sugestões se embriagam e oferecem ao leitor um templo de ideias e causas para continuar a ler e pensar.

Parabéns Risoleta e o link ao "Sombra do Deserto" no seu blog, me fez sentir com um valor premiado que a minha consciência me remete a não me rever merecimento. No entanto, com humildade lhe agadeço o apreço sentido.