quarta-feira, abril 12, 2006

A travessia

Amanhece com o sol a espreitar timidamente pelas janelas que as nuvens combinaram, aspergindo o lugar com um calor calmo, que o crepúsculo teima cada dia em tomar de posse no cacimbo da noite.
O corpo eleva-se lentamente num abandono do lugar onde antes repousara, emprestando a sua forma no leito de areia, num testemunho onde a realidade e o sonho se olharam de frente durante o sono.
Avança solenemente ao compasso do silêncio até à beira da água, pelo caminho que os pés nús foram traçando no espaço que o dia prometeu até à chegada da Lua.
Recolhe-se à pequena barca de madeira de acácia, tomando nas mãos as ferramentas com que há-de dar forma à pedra que o aguarda na outra margem, onde nasce o Sol, anunciado pelo aroma das rosas que o vento transporta no tempo.
Guarda as últimas recordações enquanto se liberta das amarras, para tomar nas mãos o leme que a bondade governa enquanto a vela se ergue revolta, enfunada pela alma.
Por fim, a embarcação avança, na travessia que o prendeu, enquanto as ondas lhe anunciam a viagem até ao porto de abrigo, onde mestres e aprendizes trocam artes e conselhos, num renascimento constante.

4 comentários:

Maria Azenha disse...

mais perto dos umbrais do vento
onde as gaivotas escrevem
no vidro do sol
a palavra acácia...

vem do chão um barco
cheio de fogo nas velas...


***maat

Memória transparente disse...

O mais belo texto que aqui encontrei, digo-o sem hesitação alguma e com toda a certeza nessa beleza que nos chega nesta "Travessia".

"Recolhe-se à pequena barca de madeira de acácia, tomando nas mãos as ferramentas com que há-de dar forma à pedra que o aguarda na outra margem, onde nasce o Sol, anunciado pelo aroma das rosas que o vento transporta no tempo."

Bem haja.

Beijinho.

Maria Carvalho disse...

Poderei comparar essa travessia a uma travessia do deserto?! Porque não. Um texto muito belo, Rui. Como sempre. Beijos para ti. Bom fim de semana.

Anónimo disse...

inspiradora travessia,
obrigado e muitas acácias