sábado, dezembro 31, 2005

2005 através da blogosfera

Não queria fechar este capítulo anual sem primeiro fazer o balanço de 2005 neste espaço etéreo em que nos encontramos, qual 5ª dimensão de sentimentos que se embrenham à velocidade do pensamento.
Tudo começou numa incursão quase a medo, acabando numa cavalgada quase desenfreada.
Assim, resolvi destinar alguns destes résteos minutos do ano cessante para os dedicar aos espaços que durante este ano, romperam com a minha relutância à escrita e à criação de algo de novo, quais agentes de conversão a um qualquer credo adormecido.

Cobre & Canela:
Este foi de facto o espaço de onde emergiu quase que involuntariamente o Sombra do Deserto. Visitei-o sob sugestão da Sandra, autora exímia numa arte, onde sendo mestre, se toma como aprendiz. Dificilmente se encontra neste espaço, algo que não esteja escrito com um sentimento forte, algo que não nos surpreenda.
Em suma: Tenho orgulho do trabalho que a Sandra fez.

Riso Cor de Tejo:
Embora o tenha descoberto por contágio, através do Cobre & Canela, este espaço, tornou-se uma visita habitual e constante. Adora-se tudo ou quase tudo o que ali se encontra e confesso-me admirador devoto. Num só recanto, encontramos inteligência, arte, sensibilidade e sentido a tudo o que as palavras permitem.
Em suma: Tenho uma admiração imensa pela Risoleta.

Arde o Azul:
Reconheço que este, foi um dos encontros mais surpreendentes que tive, e que ainda estou em fase de digerir. A empatia de gostos e de afectos, electriza-me a cada encontro, que na frequência, faz parte de uma peregrinação diária, em crescendo exponencial de admiração.
Em suma: Adoro este blog.

As Romãs de Paula:
É no mínimo impressionante, a capacidade e a fertilidade na criatividade poética que se encontra neste espaço, que encontros me fizeram descobrir. Dificilmente tão poucas palavras são misturadas com tantos sentimentos que nos impressionam e deliciam, transportando-nos num carrocel de imagens.
Em suma: A Paula escreve como um vulcão em plena actividade.

Estes foram este ano, os meus espaços de eleição que numa atenção quase religiosa, também me mantiveram neste meu espaço ao longo deste tempo, além de outros afectos, não menos importantes de outros leitores, a quem presto igual atenção.
A todos vós eu marco encontro para 2006, arrogando-me o desejo sincero de vos reencontrar.
Obrigado.

Em resposta à questão que alguns já me colocaram sobre o encontro da irmandade blogueira, acho uma excelente iniciativa, que apoio convictamente. Contudo não estarei presente, remetendo-me teimosamente à sombra anónima de um deserto qualquer.

domingo, dezembro 25, 2005

O meu Natal convosco

Foi assim o meu Natal, que o Pai Natal se dignou a enfeitar com a árvore que fui plantando e cuidando ao longo dos tempos.
Coloquei a árvore num vaso de companhia dos mais próximos, encimada pela estrela de pouco mais de 2 anitos que diariamente me encanta ao som do 76º aniversário da minha Mãe.
Até os ausentes se fizeram sentir, num permanente sentimento de saudade.
Desenhou em cada bola, a face de cada um de vós dos que tornam a minha vida mais colorida e acendeu velas com o calor que alguns de vós me dão nos momentos mais difíceis.
Juntou os ramos com as fitas brilhantes que nos unem e prendeu com pequenos presentes que vocês me dão, em tudo o que me dizem.
Assim, o meu Natal foi mais bonito e colorido, como o melhor dos Natais e o Pai Natal fez-se representar por cada um de vós.

Obrigado e um Feliz Natal para todos.

sábado, dezembro 24, 2005

Carta ao Pai Natal

Querido Pai Natal, eu não sei se existes nem onde moras, por isso escrevo-te sem endereço, na esperança vã que venhas a ler a minha carta.
Dizem que andas muito ocupado, sei lá, talvez também andes em campanha eleitoral à presidência dos Pais Natal, pois andam por aqui outros, que embora se pareçam mais com as renas, também fazem promessas de melhores Natais no futuro, embora no passado, só tenham dados prendas aos que se têm portado mal.
Eu queria pedir-te muito pouco para mim, talvez um Natal com as pessoas de quem gosto à minha volta, pois as outras por vezes é mais fácil não as ver, bastando apagar a televisão.
Pai Natal, como dizem que é época de crise, e como talvez a sintas também na compra de presentes para todos, ou quase, pois há muita gente que merece e não os tem, eu quero fazer-te uma sugestão que talvez ajude a resolver o problema e assim todos ficariam contentes.
Proponho-te que comeces por cima, quer dizer, com os nossos governantes, por exemplo a reduzir o número de ministros, de secretários de estado, de sub-secretários de estado, etc. Assim, com menos ministros para receber, já o senhor Primeiro-ministro tem mais tempo para pensar bem no que anda a fazer, com menos secretários e sub-secretários, já os ministros têm mais tempo para ouvirem as pessoas que eles representam, para saberem o que devem fazer, pois às vezes vê-se mesmo que não sabem do que estão a falar, e com isto tudo era dinheiro que se poupava para verdadeiros presentes para todos.
Como a maior parte das pessoas nem anda de avião, também podes converter o dinheiro do novo aeroporto em hospitais bem equipados, esses sim, já seriam usados por todos e esse era mesmo um grande presente. Também podias desistir do TGV (quer dizer Tontaria a Grande Velocidade) que poucos vão usar, para dar dinheiro às instituições que cuidam dos meninos abandonados ou que são mal tratados ou ainda dos avós que não têm ninguém que cuide deles para que possam viver com dignidade. Eu sei que vais ter dificuldade em explicar a palavra "dignidade" às pessoas com quem terias de falar para fazer isto tudo, mas mesmo assim tem de ser.
Também podias ajudar os senhores que tratam das prisões e que se queixam muito das condições. Olha é fácil, pegavas nos presos todos e punhas-os a trabalhar nos campos, nas serras, a fazer estradas, escolas, hospitais, etc. e só à noite é que voltavam para as prisões, e olha que vinham tão cansados que até iam gostar do sítio onde dormem. Durante o dia, também podias pegar em muitos senhores que vemos quase todos os dias na televisão e mandavas-os para as prisões trabalhar para as melhorar. Assim todos faziam algo de útil e até podias usar aqueles que estão muito aborrecidos e com sono na Assembleia da República, por não terem nada de fazer.
Olha Pai Natal, até podias ajudar aqueles senhores que são acusados de pedofilia. É assim, se eles forem mesmo culpados, quer dizer que gostam mesmo de criancinhas, então ofereces um Pinóquio com um nariz bem grande a cada um deles e quando vieres a minha casa eu digo-te o que fazer com o Pinóquio àqueles senhores.
Pai Natal, no outro dia fiquei muito triste com a última viagem do nosso submarino que já tem 30 anos, e por causa disso encomendaram dois novos submarinos. Já viste que não aproveitaram a última viagem do submarino para o afundarem com muita gente que anda por aí, cheia de prendas que não mereceram ou as roubaram aos outros ? Pode ser que o venham a fazer com os dois submarinos novos, mas acho que ainda vai faltar muito tempo. Há quem ache que podiam usar o dinheiro para outras coisas mais úteis, mas depois, como faziam se nos atacassem ? Se calhar os submarinos até são importantes para alguns dos nossos políticos se esconderem de vergonha nas profundezas, não do mar, mas do inferno.
Tu, Pai Natal, que já estás habituado a voar no teu trenó, tens de ter cuidado, sobretudo no Verão, não vás chocar com os aviões e helicópteros que andamos a alugar para apagar os incêndios. Vê lá tu, que algumas pessoas até acham que nós também devíamos comprar aviões para apagar incêndios. Para quê, Pai Natal, se até existem alguns senhores simpáticos e sempre disponíveis que tratam de tudo, desde a colocar os incêndios até a alugar os aviões para os apagar.
Bom, meu querido Pai Natal, para que não aches esta minha carta muito comprida, eu vou resumir o que eu queria como prenda de Natal. Queria que pegasses em todos os filhos da mãe que andam a infernizar este mundo e nas suas obras e exércitos e os transformasses em comida, água, cuidados médicos e bem estar para todos os meninos, idosos e pessoas boas que existem, e já sabes, se precisares de ajuda, conta comigo, isto se tiveres lugar no teu trenó.

Teu amigo,
Rui

segunda-feira, dezembro 19, 2005

O Natal inocente

Recebi há dias um pequeno postal de Natal, supostamente da autoria do meu filhote de pouco mais de dois anos, sem dúvida com o auxílio precioso da educadora no infantário.
A verdade é que raramente se consegue definir o Natal de forma mais completa, como quando se usam as palavras das crianças, que aqui vos transmito e partilho.




Natal é uma menina,
que me vem dar a mão.
Natal é o Pedro e o João.

Natal é dar um beijo,
pela manhã ao pai e à mãe.
Natal é dar amor a quem
o quer e não tem.

Natal é lá na escola,
quando todos dão as mãos,
abrem a sacola e repartem
o seu pão.

Natal é ÀÀÀ, III, óóó.
Natal é não estar lá.
É estar aqui e não estar só.

sábado, dezembro 17, 2005

O roubo do pinheiro de Natal

Existem histórias que se fundem na imagem de um conto, mesmo que esse conto relate a realidade.

Um olhar atento decorava aquela carita de olhos precoces, onde a atenção a tudo o que o rodeia mal servia para saciar a sede de tudo o que a vista alcança.
Eram tempos em que as ruas e estradas se confundiam com lugares de brincadeira, à míngua dos escassos automóveis que quase envergonhadamente se atreviam nos espaços e vielas do bairro, onde tudo e todos se conhecem mutuamente. Era neste espaço que aquela e outras crianças partilhavam brincadeiras e risos, sob o olhar cúmplice das mães que trocavam cuidados entre todos.
Entre jogos e corridas, aquele menino atrevia-se nas incursões nas ruas e recantos numa descoberta constante de espaços e de novidades.
De repente, quase como que por magia, cuidadosamente empilhados, uns quantos pinheiros, tão pequenos quanto ele, estão quase que envergonhados, lado a lado, num abraço fraternal como os que ele gostava de sentir. Não sabia como tinham ido parar alí, bem próximo da mercearia onde a sua mãe costumava ir. Não percebia qual o sentido de pequenas árvores que costumava ver no pinhal, que julgava ser de todos, irem para às ruas, aparentemente abandonados, à espera que algumas pessoas lhes pegassem, quase sempre com um sorriso nos lábios para os decorarem com requintes multicores, quase sempre acompanhados de presépios mais ou menos encenados, que ele se habituara a ver nas casas dos amigos com os olhos arregalados.
Assim, aquele aventureiro de poucos anos arma-se de um andar discreto mas decidido e decide-se pela indecisão até chegar a casa entre dois dos mais formosos pequenos pinheiros que segura nas duas mãozitas que a custo os arrastam. Naquele ano também a sua casa iria ter um pinheiro de Natal.
Chegado a casa, concluiu a sua escolha do pinheiro da sua preferência, que decidiu esconder debaixo da cama para surpreender os pais, remetendo o outro para aquele idoso que ele conhecia vagamente e que o vinha secundando nos passos, perguntando-lhe onde fora buscar os pinheiros. Contente e feliz, partilha com ele aquele pinheiro, enquando de dedo esticado aponta onde o idoso poderia buscar mais se quisesse, eventualmente para dar a outras pessoas, que como ele, nunca tinham tido um pinheiro de Natal. O idoso aceitou o pinheiro afastando-se em direcção aos restantes.
Surpreendida e visivelmente preocupada, a mãe obriga-o quase ameaçadora, a dizer onde tinha ido buscar aquele pinheiro. Inocente e frustrado, indica o local onde os pinheiros de natal se ofereciam a quem os quisesse. O caminho fez-se de volta, obrigado, de novo com o pinheiro que adoptara diante do ar zangado da mãe, numa atitude que não compreendia. Ali estava de novo o idoso que antes vira e a quem não entendia porque a mãe lhe pedia desculpa, enquanto o açoitava por uma culpa que não conhecia.
Entre as lágrimas, a dor mais forte era a de não compreender, porque não tinha ele um pinheiro de Natal como as outras crianças ? Afinal de quem são os pinheiros que ele costuma ver nos pinhais ?
Resignado, esperou mais uma vez por aquele dia mágico em que de manhã bem cedo iria à cozinha buscar o brinquedo que o menino Jesus lhe teria deixado, mesmo que fosse sem árvore de Natal nem presépio, mesmo sem festa e sem a família reunida, apesar da sua mãe fazer anos naquele dia.
Entretanto e sem resposta às perguntas que não fizera, um dia chegou a casa, onde surpreendido, encontrou um pequeno pinheiro que se esforçava para brilhar num pose de vaidade, com serpentinas de brilhantes e bolas de várias cores com que a sua mãe enfeitara, que apesar do esforço já não lhe fazia arregalar os olhos, embaciados por tudo o que não compreendia.

sábado, dezembro 03, 2005

A caminhada

A sombra teima em seguir os passos, cada vez mais compassados com o cansaço. O sol e a chuva guerreiam-se pela liderança dos dias e o vento e o pó juntam-se-lhes no endiabrar das horas.
Carrego nos braços um album de fotografias onde as pessoas ganham vidas novas, trocando-se nos planos da imaginação e da lembrança.
Vejo-te nelas numa imagem a preto e branco esfumando-se em positivos e negativos condenados ao passar dos tempos, em que a lembrança se torna cúmplice da sombra que se projecta no caminho, qual mensagem que não se apaga na memória, num repetir constante:

- Se eu cair, não me levantes, se quiseres que seja meu o teu caminho;
- Se eu tiver fome, não me dês a comida que me queiras cobrar;
- Se eu tiver sede, não me dês de beber a água que não é tua;
- Se eu sofrer, não me consoles, se assim me queres comprar a alma.

A caminhada continua, dia após dia, duna após duna, onde o caminho a custo segue a lineariedade da alma. Na areia, o caminho andado deixa a mensagem "quando te lembrares de mim, verás na fraqueza dos que se quedam, a fortaleza dos que caminham".

sexta-feira, dezembro 02, 2005

Viva a "vida"

Ontem, após ter ouvido na rádio os comentários de uma qualquer organização de carisma ético e religioso, que se afirmava contra a criação de embriões como fonte de células estaminais, mesmo com fins medicinais, imaginei como seria usar in-extremis, alguns argumentos sobre a preservação da vida.

“Acordo cedo e ainda estremunhado, sigo a peregrinação diária à casa de banho. Acabo de evacuar e numa devoção inabalável, apanho todo aquele esterco cheio de matéria viva (sim, porque as bactérias também são seres vivos) e coloco-o cuidadosamente no quintal, no pouco espaço livre deixado pelos dias anteriores.
Faço a barba, mas recuso-me a lavar os dentes, com receio de aniquilar as pobres bactérias que me profanam a placa dentária. Até parece impossível como numa universidade portuguesa, pretendem criar uma vacina contra as bactérias que provocam as cáries. Cambada de assassinos.
Reduzi o pequeno almoço ao leite com café e o pão foi deixou de levar fermento, pois para quem não sabe, a fermentação baseia-se no trabalho desenvolvido por bactérias.

Está a chover, descalço-me e saio num bailado cómico para evitar pisar aquelas poças de água preciosas cheias de vida microscópica. Sim porque o tamanho pequeno não retira a dignidade e eu que o diga, pois apenas meço 1,69 m.
A custo lá cheguei ao carro e em ziguezaques conscientes sigo o caminho pelos pedaços secos da estrada.

A entrada no escritório é atormentada pela senhora da limpeza, que com ar cúmplice e criminoso, atira a sua fúria contra os pobres ácaros que angelicalmente povoam tapetes, cadeiras e sofás. Tanta maldade meu Deus, que aquela pobre mulher tem de expiar.

Chega a hora do almoço e numa fé que não desiste, renunciei ao habitual pernil assado no forno com batatas fritas e ao peixe cozido com todos. Só os nomes, exalam criminalidade. Sim porque, ao menos podiam ter chamado “membro inferior do porco, sujeito a temperatura mais elevada, com batatas passadas com óleo aquecido” ou “peixe mergulhado em água agradavelmente aquecida acompanhado com alguns legumes e batatas igualmente aquecidas”. Acabei por comer meia salada, ou melhor, partilhei a outra metade da salada com a pequena mas venerável lagarta que piedosamente devolvi ao jardim mais próximo, perante o ar estupefacto dos demais clientes. A sopa de legumes (que outra poderia comer ?) acabou por ser recusada, perante o crime que os cadáveres dos minúsculos seres a boiar denunciavam. A refeição terminou com um inocente café.

Terminado o dia de trabalho, o regresso a casa fez-se cheio dos mesmos cuidados da ida, agora mais carregado das fezes fielmente recolhidas durante o dia, para então as depositar junto das matinais. Quase podia ouvir o contentamento dos microorganismos que populavam a área de despejo.

Durante o jantar, tipicamente vegetariano, assisto a um telejornal que mais me enerva sobre crimes horrendos como a pesca e a caça. Como é possível matar tanto ser vivo, mesmo com a desculpa de alimentar muita gente. Como não fazem como eu ?
E ainda por cima, pretendem criar embriões ? Mesmo que sejam apenas dezenas ou centenas de células ? Nunca. Resignem-se ao que Deus criou. Deus sabe o que faz concerteza, pois até me criou a mim.

E nem falemos em abortos, nem que se tratem de fetos com dias ou mesmo horas de vida. Nada deve destruir o que Deus criou. Se tiverem de sofrer, pois que sofram, pois sempre ouvi dizer o senhor padre que sofrer purifica a alma e que Cristo também disse 'venham a mim, os que sofrem'.

Hoje calhou a dormir sozinho, porque a minha mulher foi visitar os pais. Ainda bem, não fosse ela querer que eu condenasse à morte alguns espermatozóides, o que para mim estaria fora de causa. Já basta a insistência dela em limpar a casa, numa orgia satânica contra as bactérias, vírus e ácaros.
Até o pediatra do meu filho participa na conspiração anti-vida quando receita antibióticos, quais bombas de napalm e até essas já foram proibidas. Claro que como tudo na natureza, aqueles seres minúsculos também se vingam, claro, e as bactérias multi-resistentes que o digam.

Matar, nunca. Mantenho-me numa fé firme e hirta, como uma pedra num imensa pedreira cheia de calhaus esclarecidos e conscientes como eu”.